'Contra a verdade ninguém pode, o rap tem muita força', diz KL Jay, dos Racionais*


Um dos mais importantes DJs do cenário do hip hop nacional esteve novamente em Maringá. Kleber Geraldo Lelis Simões, o KL Jay, integrante e um dos fundadores do lendário grupo Racionais Mc’s, se apresentou no dia 21, no Polo Club Bar ao lado do DJ Marco.

KL Jay começou no ramo realizando bailes em residências da zona norte de São Paulo, junto com o companheiro Edi Rock (também do Racionais). Com quase 30 anos de carreira, ele se apresenta por todo o país, dividindo o tempo em shows com o Racionais, discotecagem, produções e oficinas.

Ele já se apresentou em Maringá duas vezes com todo o grupo e também já fez discotecagem sozinho. Em entrevista, ele falou um pouco sobre a apresentação e o cenário do rap.

Depois do último show do Racionais aqui em Maringá ter sido um sucesso, você está de volta, agora sem o grupo, como já esteve em outra oportunidade. Qual a expectativa para a apresentação?
KL Jay - Eu acho que vai ser muito bom. O pessoal é muito animado. Além disso, tenho uma sintonia muito boa com o Marco, nós tocamos juntos em São Paulo, no Sintonia DJ Club. Então, acredito que vai ser uma grande festa. Maringá é uma cidade muito agradável, clima legal, gente simpática e animada.

Você é considerado pelos fãs como um dos ícones do rap nacional. Como se sente em relação a isso?
Eu sou muito grato pelo carinho e pelo respeito, sou apaixonado pela minha profissão e agradeço demais ao rap, que não é apenas uma cultura, mas um estilo de vida, que abriu muitas portas, inclusive para enxergar melhor o mundo. Sou muito fiel ao hip hop e nunca quis nada em troca, é algo incondicional, acho que é por isso que tem esse carinho das pessoas e é algo muito bom. É bom receber elogios, ser respeitado, mas não é por isso que faço, é por amor.

Impossível falar de rap sem falar de questões sociais. No início da música "Capítulo 4, Versículo 3" há a denúncia da violência contra o jovem negro. Já se passaram anos e os dados continuam preocupantes. Você acredita que a sociedade ainda pode evoluir nessa questão?
A gente tem que acreditar. Racismo é uma doença, assim como o câncer, mas o mundo está mudando, ficando mais democrático. Talvez ainda demore muito tempo porque o racismo é um chip defeituoso da humanidade, mas embora os dados ainda sejam os mesmos da música, mais pretos estão ocupando cargos importantes, entrando para as universidades e aumentando a renda.

Gilberto Gil disse há algum tempo em entrevista à Folha de S. Paulo que o discurso de protesto migrou da MPB para o rap. Você acha que ser uma das poucas válvulas de escape para a indignação com a situação do País, principalmente nas periferias, traz uma responsabilidade ainda maior?
O rap sempre falou desses problemas, há quarenta anos atrás já tinha esse discurso, mas acho que agora o leque de assuntos está muito mais vasto. Mas sempre vai ter espaço para tratar disso, é só querer.

Em algum momento você foi ou sentiu medo de ser repreendido de alguma forma por causa do engajamento social?
Não. Contamos a verdade e isso não há quem conteste. A verdade é a verdade. A atitude que sempre tivemos é de ficar atento a uma possível retaliação, mas contra a verdade ninguém pode, o rap tem muita força.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, esteve recentemente no Vaticano e levou um disco do Racionais para o Papa, por indicação de jovens da periferia e você assinou o disco. Qual a importância disso para você?
Achei o gesto muito legal. Tem todo um simbolismo entregar um disco de pessoas que fazem rap. Poderia ser qualquer outro, de rock, por exemplo, mas foi rap e isso é legal demais.

O rap sempre teve um olhar diferente por parte da sociedade, tachado como música de “bandido”, mas o gênero é o mais ouvido no mundo, segundo revela o “mapa-mundi musical”, publicado pelo Spotify. Você acredita que o preconceito em relação ao rap tem diminuído?
Sim. Geralmente tem aquele preconceito velado, que as pessoas não assumem, mas está mudando. No Brasil está diminuindo bastante.

E para finalizar, fugindo um pouco da música e entrando em questões políticas, o que você achou dos movimentos contra o governo, do último domingo?
Acho que representou uma briga tribal e política. Mas eu não acredito mais nisso, nem nos partidos, e aí falo por mim e não pelo grupo, não acredito em PT, nem PSDB, ninguém. Acredito que quem vai mudar o País são as pessoas, aquelas que que realmente tem vontade de fazer alguma coisa, de acabar com a desigualdade, pode ser de qualquer partido.

*Publicado inicialmente em O Diário do Norte do Paraná

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