'Nise é um exemplo para o Brasil e o filme é muito bom', diz diretor Roberto Berliner*

O filme “Nise – O Coração da Loucura” esteve mais de um mês em cartaz em Maringá. Muito mais que a média de muitos filmes nacionais. Mas não é só isso que chama atenção. A história da médica brasileira Nise da Silveira, interpretada por Gloria Pires, já é, por si só, motivo para provocar curiosidade.

Nise ficou presa um ano e meio por possuir livros marxistas e após o retorno ao hospital psiquiátrico onde trabalhava, não aceitou tratamentos violentos para os pacientes com doenças mentais, como eletrochoques e lobotomia. Mesmo com uma enorme resistência dos demais profissionais, ela adotou métodos mais humanistas para os tratamentos, como a pintura. Por essas práticas, ficou conhecida em vários países.

O carioca Roberto Berliner, diretor do filme, já foi responsável pelo documentário “A Pessoa é Para o Que Nasce”, de 2005 e também já participou da produção de “Bruna Surfistinha”, 2011. Em entrevista a O Diário, Berliner afirmou que diante da importância de Nise e de sua história, ele sentiu necessidade em fazer o filme. Confira abaixo a entrevista completa.

O que te motivou a fazer "Nise – O Coração da Loucura"?
Foram várias motivações. A história chegou a mim através da dica dos irmãos Bernardo e André Horta. O André era o diretor de fotografia e não podia digirir. Ele tinha informações sobre tudo, como ela falava, como se comportava e juntou tudo. Então, começamos o projeto. O André não pode dirigir e eu acabei pegando. Se você me perguntar a razão, é por causa do meu irmão, já falecido, que tinha Síndrome de Down. Ele viveu numa instituição, e desde o momento em que meus pais mandaram ele pra lá, isso me causou certa inquietação. Então, é uma homenagem ao meu irmão.

O filme é focado mais na história do trabalho da Nise depois que ela volta ao hospital e não na vida dela como um todo. Por que preferiu fazer dessa maneira?
A Nise não gostava de biografias, isso foi importante para decidirmos fazer um recorte. O filme fala do momento em que Nise volta ao hospital do Engenho de Dentro, oito anos depois de sair da prisão, e volta a exercer sua função de psiquiatra. Chegando lá, se depara com os novos tratamentos, como o eletrochoque e a lobotomia e se recusa a participar disso. Nosso filme mostra a ruptura de Nise com a psiquiatria convencional e o começo de um novo trabalho que impactou o estudo da mente no mundo inteiro.

Você acredita que o ar documental que tem o filme deixa a história, de certa forma, mais real?
Diante da importância de Nise e de sua história, era fundamental que o filme fosse real e verdadeiro. Não sobrava tempo para inventarmos coisas que não fossem essenciais. Nise pede por isso. A ideia era recriar as cenas e que elas fossem filmadas com a câmera na mão, como se fosse um documentário. As ações levam a câmera, não são as pessoas que estão armadas em função de um plano. A cena em si tinha que ser real o suficiente. Por isso a importância de termos filmado dentro do hospital, onde tudo aconteceu. O cenário é um personagem muito forte do filme. O fator emocional foi muito intenso, o fez com que nosso filme tivesse uma verdade muito grande, em cada gesto e cada atuação. Ele nos levou de volta àquele tempo. Eu quis fazer com que os atores entrassem nessa realidade para recriá-las. Eles puderam ter seu tempo para entrar naquela história, o que é raro no cinema. E tentamos filmar em ordem cronológica, para que isso contribuísse no desenvolvimento dos personagens. Isso foi muito legal, porque os atores puderam viver cada curva de seus personagens e nós fomos vivenciando a história. Ficamos muito mais dentro da história. Estávamos ali liderados pela Nise e a Gloria fez esse papel muito bem.

O filme recebeu críticas muito positivas. A que você atribui esse sucesso?
A Nise é uma mulher especial, um exemplo para o Brasil e o filme é muito bom. Mas o que faz o sucesso de bilheteria não é a qualidade do filme. O sucesso de bilheteria se faz com a qualidade do trabalho da distribuidora e com o dinheiro investido em propaganda. Além disso, precisamos do interesse da imprensa. Nosso filme se tornou um sucesso de quase 150 mil espectadores. Sem propaganda, sem ajuda da imprensa ou dos distribuidores, mas com sessões aplaudidas, com um boca a boca sensacional nas mídias.

Qual a importância e os aprendizados para você ao trazer essa história para o público?
Quando eu estava fazendo “A pessoa é para o que nasce”, eu tive a sensação de que estava fazendo um trabalho muito importante, que eu estava tentando dar um passo adiante e questionando várias coisas que eu já tinha feito na minha vida. Lá, eu estava descobrindo o cinema, a linguagem, acabei virando personagem de mim mesmo. Quando comecei a conhecer melhor a história de Nise, vi que ela é dessas pessoas que faz o mundo dar um pulo pra frente, é uma pessoa especial, uma rebelde, e quanto mais eu pesquisava sobre sua vida e conversava com seus colaboradores, mais eu sabia que esse filme tinha que ser feito. Durante as filmagens do Nise, eu tinha certeza que estava diante de um assunto muito importante e que eu tinha a responsabilidade de contar isso de maneira honesta, simples e direta. Como diz a Gloria, sem ostentação. Acho que conseguimos isso.

Nise afirmava que "todo mundo tem um pouco de loucura". Você concorda? E qual é a sua loucura?
Concordo. Eu diria que minha loucura é o Flamengo.

Por fim, depois de uma filme tão bonito e tocante como esse, o que está preparando para os próximos meses?
Estamos preparando a segunda temporada do Histórias de Adoção, programa que fizemos para o GNT. Um programa muito especial, inclusive para mim, que tenho dois filhos adotivos com minha esposa. Também estamos produzindo um documentário curta-metragem para as Olimpíadas, que vai ao ar no Sportv. Fora isso, também temos alguns outros projetos aqui na TvZero, que falaremos em breve.

*Publicado originalmente em O Diário do Norte do Paraná

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