Arte urbana ao som de Carlos Gardel em Buenos Aires*


“Vai ficar aqui mesmo? Não tem nada muito interessante nesses lados da cidade”, disse o taxista ao me deixar na Libertador com Bullrich, em Buenos Aires. “Sim, aqui mesmo, obrigada”, eu disse, mesmo sem muita certeza de que estaria no lugar certo. Parte de viajar é isso: não ter muita certeza e se achar sozinho, porque você só se encontra quando se perde. Mas eu estava mesmo no lugar e hora exatos.

Logo vi um carro todo colorido parado quase embaixo da ponte da avenida. Lá estava o meu entrevistado, um dos grandes artistas de rua da Argentina e pioneiro na atividade, Alfredo Segatori. Muitas pessoas, desde senhoras bem vestidas até jovens com suas calças largas e bonés, paravam para observar o trabalho de Alfredo. Eu não era a única que queria as palavras dele, e tive que ir aproveitando o que ele contava aos outros também. As pessoas têm um interesse imenso e muito respeito pela arte de rua na Argentina.

Uma das curiosas era uma garota que parecia ter a minha idade. Pelo sotaque, não era argentina. Acredito que era mexicana, porque os dois começaram a falar sobre um mural de Frida Kahlo e uma viagem ao México. Me perdi na conversa entre os dois porque parei para prestar atenção nos olhos de Carlito. Carlos Gardel me olhava do outro lado da rua, e eu, tão preocupada em encontrar Alfredo, não prestei atenção.


Ele também cantava. Eu não sei o que me fizeram seus olhos, que ao me olhar, me matam de amor. “Ele que pintou esses outros desenhos daqui? De Carlos Gardel e da bailarina do outro lado?”, perguntou uma senhora, interrompendo meus pensamentos. “Sim, foi ele”, respondi, porque Alfredo ainda conversava com a suposta mexicana. Esses trabalhos, nas pontes, se chamam “Por una Cabeza” (nome, também, de um tango de Carlos Gardel) e está deixando a avenida com ar musical.

E não são só os desenhos que enchem a avenida de música. O carro colorido de Alfredo, que carrega uma placa “desculpe os incômodos, estamos pintando”, também toca tango. “É fundamental ter música. Sou um militante a favor da arte em geral no espaço público, não só da pintura”, argumenta.

Para esse trabalho, ele está sendo pago pelo governo. Assim como quando pintou um mural em Barracas, considerado o maior da América Latina feito por um único artista. O que poucos sabem é que a inspiração para que ele começasse o movimento veio do Brasil. Em uma viagem, ele conheceu vários artistas brasileiros e decidiu pintar também. O discurso de boa parte da “street art” argentina, porém, não está ligada ao movimento hip hop assim como no Brasil.

Para quem vai a Buenos Aires, vale a pena prestar atenção nas paredes e muros. Existe até um projeto que leva as pessoas para um tour pelos melhores murais da cidade, o “Buenos Aires Street Art”, do jornalista Matt Fox-Tucker.

Agora, eu, que já estou no Brasil, só posso sentir saudade e me resta ouvir a voz marcante de Gardel a entoar “Buenos Aires, suspirando por ti, bajo el sol de otro cielo, cuanto lloró mi corazón, escuchando tu nostálgica canción”. 

*Publicado originalmente em O Diário do Norte do Paraná

**Larissa Bezerra participou do curso “Jornalismo sem Fronteiras”, que leva jornalistas e estudantes de Comunicação a Buenos Aires para um mergulho de dez dias no trabalho como correspondente internacional.

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