A vida é mesmo muito estranha, não é?


Quando chega setembro dá vontade de gritar para o mundo inteiro que estou com saudade. Mas prometi que não diria mais isso porque é uma maldita dor, maior a cada dia, que parece um milhão de pregos me perfurando de dentro para fora.

E não adianta dizer que estou com saudade, você sabe disso. E sabe também que sinto sua falta a cada instante. Sei que você não volta, eu sei.

Não sei bem o dia de setembro em que você foi embora. Mas lembro que estava calor e o sol brilhava lá fora. Hoje está chovendo, eu acho. Ainda não abri a janela. Talvez seja só o meu humor a me enganar sobre o tempo.

Às vezes, esqueço várias coisas sobre aquele dia. Acho que é meio opcional esquecer para não sofrer tanto, mas aprendi a dar um jeito de lembrar das coisas mais importantes. Agora lembro do aniversário de todo mundo, sabe? Eu sempre me esquecia do seu, mas agora lembro. 

Está bem, está bem, não lembro exatamente, minha memória continua ruim, mas compro uma agenda todo ano. A primeira coisa que escrevo é a data dos aniversários das pessoas importantes para poder ligar no dia e dizer o quanto elas são especiais. A sua partida me ensinou isso, todo dia sua ausência conversa comigo e diz que eu deveria ter dito muito mais vezes que te amava, diz que deveria ter lembrado dos seus aniversários e de dizer o quanto você era importante.

Você sabia de tudo isso, não sabia? Diga que sabia, por favor. Eu sei que o amor é muito mais que algumas palavrinhas bonitas, a gente demonstra e o outro sabe, não é assim? Eu sabia que você me amava. Para me ouvir horas e horas seguidas, tinha que me amar muito.

Outro dia tive um sonho tão lindo. Infelizmente, foi a única vez que sonhei com você mas me pareceu muito real. Você pedia para eu não chorar mais, sabe? Dizia que tudo ia ficar bem, que você acreditava em mim. Você disse que pensava em mim todos os dias. É verdade, não é? Às vezes sinto você por perto, deve ser o seu pensamento viajando e chegando aqui para dizer, como no sonho, que tudo vai ficar bem.

O que posso dizer é que a vida nunca mais foi a mesma sem você. Agora, o papai sempre compra bolacha recheada, mas ele não sabe, como você, que gosto muito mais de morango do que chocolate. Mas mesmo assim gosto quando ele compra, e divido com todo mundo, assim como você me ensinou.

Moro sozinha agora. Você imaginaria isso? Pena que não tenho ninguém pra ver futebol comigo. Sinto falta de assistir aos jogos da Seleção na sua companhia e de discutir se o tal Pelé era melhor que o Maradona. Até evito ver Corinthians x Santos para não sentir tanta saudade. Gostaria que você soubesse que não odeio mais o Peixe tanto assim. Mas só por sua causa. A vida é mesmo muito estranha, não é?

Estou fazendo jornalismo. Segui seu conselho e resolvi fazer o que eu realmente queria e não o que as pessoas achavam que eu deveria fazer. Acho que fiz muito bem, porque me sinto feliz. Espero que você também se orgulhe disso.

Eu sei que prometi que não ia dizer que estou com saudade, mas eu estou com tanta saudade! Não dá para lembrar de você sem dizer isso, acho. É que uma parte de mim também foi com você, e quando digo que sinto saudade, não é só de você, mas também dessa parte minha que você levou.

Acho que a culpa é um pouco minha. Sempre me senti um pouco culpada. Talvez se eu tivesse cuidado mais de você... Mas juro que tentava fazer o melhor, juro. Naquela manhã ensolarada, achei que estava tudo bem e quando te procurei mais tarde, você já tinha ido. Essas coisas não se fazem, ok? Eu queria largar tudo e ir atrás de você. 

Ainda guardo aquela foto que tiramos todos juntos na nossa última viagem. Você estava tão feliz, não é? Eu também. Quero lembrar da gente assim, sempre. Queria, também, escrever um poema muito bonito para você, mas não sou muito boa com os poemas. E os livros já estão cheios de poemas sobre saudade.

Eu não quero ter filhos, mas se um dia tiver, vou cantar todas aquelas musiquinhas para eles e contar todas aquelas histórias e vou dizer que aprendi com você. Então, eles vão me perguntar sobre você e vou dizer tudo isso. Talvez eu deixe cair uma ou duas lágrimas, como agora...

Também queria te dizer que antes via o "nosso" cavalo todos os dias lá perto do rio. Agora ele não está mais lá. Um dia, prometo que vou comprar um cavalo igual, só para lembrar mais de você. Não que eu esqueça. Esses dias mesmo, vi o Pequeno Príncipe e desandei a chorar na sala de cinema que só tinha crianças, porque lembrei de você.

Talvez eu espalhe nossas fotos pelas paredes da casa, mas não sei se é necessário, te sinto tão perto. Olha só pra mim, conversando com a sua foto como se você estivesse aqui. A morte é mesmo muito estranha, não é?


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