"A Segunda Pátria" vai virar filme*


Neste mesmo mês, em 1945, a Segunda Guerra Mundial terminava de maneira não oficial (o Japão só se rendeu alguns meses mais tarde). Depois de 70 anos este continua sendo um assunto fundamental, principalmente pelos fantasmas que carrega consigo, como o nazismo.

O tema vem sendo abordado em vários livros de história e também de ficção, como fez Miguel Sanches Neto em “A Segunda Pátria”, de maneira muito original.

O romance porém, se passa bem distante da Alemanha e da Europa. O cenário é o Brasil de Getúlio Vargas, que declara apoio aos nazistas. Assim, os estados do sul do país, com maior número de descendentes alemães, começa a pôr em prática os princípios pregados por Hitler. 

Com isso, o engenheiro Adolpho Ventura, negro e pai de uma criança mestiça passa a sofrer discriminação e violência, bem como todos os outros negros.

Enquanto isso, a jovem Hertha, grande amor de Adolpho e modelo perfeito da raça ariana tem uma missão secreta até para ela mesma: um encontro com o Führer.

Campos de concentração são montados no sul e as mesmas atrocidades cometidas na Alemanha, são transportadas por Sanches Neto para o Brasil. Com muita pesquisa sobre o assunto, o autor conseguiu que a história ficasse perfeitamente verossímel. 

O melhor é que “A Segunda Pátria” não ficará somente nas páginas dos livros. Rodrigo Teixeira, um dos produtores mais importantes do cinema brasileiro, com filmes como “Quando Eu Era Vivo” e “Tim Maia” adquiriu os direitos cinematográficos da obra.

Em conversa com O Diário, Miguel Sanches Neto conta como foi o processo de escrita do romance e qual a aspectativa para a adaptação para o cinema.

De onde surgiu a ideia desse romance?
A ideia nasceu de “Complô contra a América”, romance de Philip Roth, e não foi minha, e sim da editora Intrínseca, que me procurou para saber se eu aceitaria escrever um romance que se passasse no período da Segunda Guerra Mundial, tendo como mote: e se Getúlio Vargas tivesse apoiado Hitler? A partir daí, comecei a buscar em minha memória e em minha imaginação possibilidades de enredo para uma narrativa. Vendo que eu tinha muito material para ficcionalizar, aceitei a proposta.

Qual a razão de ter achado que “A Segunda Pátria” merecia ser escrito?
Primeiro, este livro aborda narrativamente um tema pouco debatido no Brasil. Houve um apagamento dos entusiasmos brasileiros por Hitler. E na segunda metade da década de 1930, este entusiasmo foi muito forte, e encantou muita gente, potencializando um discurso racista que vinha do século XIX e que se consolidou à sombra do nazismo internacional. Com a derrota de Hitler e a descoberta de seus horrores, arrancou-se esta página de nossa história. No lugar, valorizou-se a perseguição aos estrangeiros, empreendida por Getúlio Vargas, o mesmo presidente que manteve relações muito estreitas com Hitler. Então, havia razões históricas para me dedicar ao tema. O segundo motivo está relacionado ao tempo presente. Há hoje no Brasil um discurso discriminatório muito forte, que tenta pensar o Sul separado do resto do país, e muitas vezes a pessoa que defende esta exclusão não percebe que os seus argumentos são muito parecidos com os do nazismo. Espero que o leitor saia da leitura de meu livro mais tolerante com o outro. 

Antes de escrever, quanto tempo precisou usar para leituras e pesquisas sobre o assunto?
Eu tinha um contrato muito apertado com a editora. Deveria entregar o romance em 18 meses. Tive que me dedicar com muita exclusividade ao projeto. A primeira consequência desta dedicação foi que me obriguei a interromper uma coluna semanal que mantive na Gazeta do Povo por 19 anos. Diminuí minha participação em eventos, me tranquei em casa para ler, estudar e planejar a obra, num primeiro momento – mais ou menos um ano. Depois para escrever – mais seis meses. A escrita deste livro teve um papel importante na minha vida, pois me obrigou a priorizar a ficção, a reorganizar minhas atividades. Saí da empreitada mais escritor do que eu era antes. Acabei entregando o livro no prazo. E depois ficamos trabalhando na revisão e edição do livro por mais 18 meses. Ao todo, ele me consumiu 3 anos.

Tem um personagem com o seu nome. Por quê?
Como você deve ter notado, neste Brasil nazista eu imagino uma frentona da direita tomando conta do Sul. Os nazistas e sua ideologia estão no comando, mas eles agregaram os integralistas e também os fascistas, com o apoio do Estado Novo de Vargas. É um movimento que vai além das colônias alemãs. Então, há nazistas que não são germânicos. O Miguel Sánchez do romance é um espanhol que aderiu à ideologia. Não é meu avô (que tinha este nome) nem sou eu, mas usei o meu próprio nome para criar uma ambiguidade de leitura e para mostrar que não quero demonizar ninguém. O grande desafio do escritor é colocar-se inteiro num romance, mesmo que seja na pele de um personagem ruim, como é o caso. Me fiz duas perguntas durante a escrita: como, sem ainda saber no que resultaria o nazismo, as pessoas reagiriam ao seu chamado? Será que eu também não teria me encantado com ele em 1936? Disso tudo nasceu este personagem perverso, que nada tem a ver comigo.

O senhor gostará de ver a história sendo contada nas telonas ou acredita que o filme nunca é fiel ao livro?
Acho que cinema é uma coisa e romance outra. Há necessidades de adaptação cinematográfica muito específicas, que conduzem a história para um lado ou para outro. A literatura é uma construção solitária. Embora eu tenha dialogado muito com minha agente (Luciana Villas-Boas) e com os editores da Intrínseca (principalmente com Livia Almeida, que foi quem deu o título ao livro), “A segunda Pátria” é algo meu. Já no cinema há uma construção coletiva, muita gente envolvida, do roteirista aos próprios atores, que se apropriam à sua maneira da história. A fidelidade ao livro não é uma fidelidade aos fatos que estão no livro, mas à sua verdade maior. E tenho certeza que o Rodrigo Teixeira fará um grande filme. Acho também que minha literatura é de fácil adaptação.

*Publicado inicialmente em O Diário do Norte do Paraná



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