Ironia atroz só contra os fortes*


Várias pessoas em um museu, com os olhos vendados e tirando fotos das obras com seus celulares ultramodernos. Um menino de Guiné Equatorial sendo sugado por um beija-flor. Meninos vendendo qualquer coisa no semáforo e o motorista com cara de “visualizado e não respondido”. Esses são alguns dos cenários das charges de Vitor Teixeira.

Você pode não saber exatamente quem ele é, mas provavelmente já deve ter visto alguma de suas charges circulando nas redes sociais. Suas ilustrações não chamam atenção apenas pelo traço peculiar, mas principalmente pelos temas de cunho político e social abordados. Algumas, inclusive, têm causado polêmica.

Vitor é Design Gráfico, tem 28 anos e mora em . Ele conta que desenha desde criança e fez algumas especializações nessa área  depois de 2009. Antes , desenhava apenas para moda e publicidade, mas depois de viajar pelo Brasil e para outros países da América e ler sociólogos e jornalistas de esquerda, passou a deixar seu trabalho com uma conotação mais social, defendendo minorias e buscando maneiras de colaborar para melhorar aspectos sociais. Ele vem mantendo uma postura radical nos seus traços, principlamente em relação à grande mídia.

Todos os seus desenhos são publicados nas redes sociais (Tumblr, Facebook  e Twitter), apesar de poucos chargistas terem surgido assim. “Eu e outros artistas, que somos, antes de tudo, comunicadores, temos a internet como um grande meio de mostrar nosso trabalho”, afirma.

Provavelmente você não verá os desenhos de Vitor nos grandes jornais. Apesar do ótimo trabalho, ele afirma que nunca recebeu convite para trabalhar em grandes meios de comunicação. “Não recebi, e não aceitaria se recebesse”, conta. “Meu trabalho é baseado no meu ponto de vista ideológico. Eu critico os grandes meios de comunicação, então acredito que não iam querer. Não faço trabalhos que não concordo, não sou coagido por dinheiro.”

Censura

Uma das charges mais polêmicas de Vitor, divulgada nas redes sociais, critica o projeto “Gladiadores do Altar”, da Igreja Universal, que apelou à simbologia militar para tentar atrair jovens evangelizadores. Há um vídeo de grande repercussão na internet, onde jovens gritam palavras de ordem e dizem estar prontos para a batalha.

Por causa da crítica, ele recebeu uma notificação extrajudicial pedindo que sua página no Facebook fosse excluída da internet. Após negociação entre as partes,  decidiram que ele continuaria com a página, mas apagaria a ilustração, levantando ainda mais o debate sobre liberdade de expressão no ciberespaço brasileiro. Quanto à charge, Vitor diz que é melhor deixar o caso para a opinião pública.

Surgiram, então, comparações entre o caso dele e o do jornal francês Charlie Hebdo. Ele diz que não concorda com as comparações. “É um exemplo exagerado. Eles atacavam uma religião milenar, num país onde essas pessoas são minoria e já sofrem preconceito. Eu não faço isso, por isso não concordo com essa abordagem”, comenta.

Bom senso

Quando se debruça sobre um desenho, Vitor acredita não impõe autocensura. “Não tenho nenhum limite, mas não sou irresponsável. Jamais atacaria grupos que já são historicamente atacados, como os negros e as mulheres”, afirma.

Ele conta também que recebe ameaças todos os dias de usuários na internet. “São pessoas que dizem que direitos humanos são coisas de vagabundo e que eu defendo bandidos. Não levo isso a sério.”

O cartunista se pauta no que acompanha nos meios de comunicação de esquerda, pequenos jornais e mídias alternativas. Ele diz não concordar com 90% do que é noticiado pela grande mídia. “Não concordo, mas sempre acompanho, afinal, os grandes meios de comunicação também são alvos das minhas críticas. As pessoas têm que saber que eles não são inatingíveis”, diz.

Ao avaliar seus próprios desenhos, Vitor tem consciência de que suas charges são altamente subversivas e provocantes. “Elas vão de frente com o senso comum, confrontam o sistema. Quero mostrar que a esquerda não está morta.”

Ele diz que é possível viver com o dinheiro dos desenhos, porque não tem pretensão de acumular bens. “Minha única intenção é que meu trabalho se prolifere, que chegue até as pessoas, que faça com que elas reflitam.”

Quando perguntado sobre cartunistas que inspiram seu trabalho, ele  diz que o traço é totalmente dele, mas que as ideias, às vezes, são inspiradas, por exemplo, em Joe Sacco. “Ele tem uma trabalho fantástico sobre a Palestina, vale a pena”, comenta. O brasileiro Henfil também é um dos favoritos de Vitor. Além disso, ele diz que lê muito Darcy Ribeiro, Eduardo Galeano, Paulo Freire e Milton Santos. Na literatura, um de seus preferidos é Gabriel García Márquez.

Com a boa exposição de suas charges na internet - sua página no Facebook tem mais de 65 mil curtidas -, Vitor vem discutindo com algumas pessoas a possibilidade de fazer um projeto com suas charges, como um livro ou exposições. Por enquanto não há nada definido.

Enquanto isso, ele continua fazendo suas ilustrações. E se depender dos traços de Vitor, o mundo poderá ser um lugar melhor ou pelo menos habitado por pessoas menos conformistas.


*Publicado originalmente em O Diário do Norte do Paraná

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