Sabina por Flores*


Cantor, compositor e poeta, Joaquín Sabina teve uma vida cheia de peripécias para além dos palcos. Ficou exilado em Londres durante a ditadura de Francisco Franco, de 1970 a 1977, teve problemas com as drogas e com o excesso de álcool e caiu em depressão. Sobre esses períodos difíceis de sua vida, ele compôs várias canções, principalmente em relação à guerra civil espanhola e seu exílio.

Seus versos não pouparam o regime militar e nem a sociedade passiva. Cheio de ironias, criticava seus conterrâneos e os costumes vigentes. A música “Pongamos que Hablo de Madrid” é um exemplo de critica à cidade e mesmo assim virou ums espécie de hino para eles. Além disso, Sabina tem mais de 10 livros publicados, a maioria de poesia.

Neste início de março, ele lança o 21º disco da carreira, "500 Noches Para una Crisis". O novo álbum é uma retrospectiva de seus grandes sucessos, como “Pastillas para no soñar”, “Contigo” e “Más de Cien Mentiras”. Canções compostas pela frustação na guerra civil, como “De puríssima y oro”, também estão presentes.

Mesmo com tanto sucesso no mundo de língua espanhola, com milhares de fãs na Argentina, Uruguai, Chile, México e outros países, pouco se fala do artista no Brasil. Agora que Sabina decidiu reavaliar sua trajetória com o novo disco, talvez seja hora dos brasileiros darem uma chance a esse grande artista.

Com o lançamento do disco, Sabina anunciou uma turnê de 16 shows pelo território espanhol. Entre maio e junho, ele fará seis shows pela América, passando por México, Colômbia, Panamá e Equador.

Javier Menéndez Flores, escritor e jornalista há quase vinte anos, é autor de dois livros sobre a vida de Sabina, "Perdonen la Tristeza" e "Sabina en Carne Viva". Para ele, a barreira do idioma é o que impede os brasileiros de terem acesso à música espanhola. “É o mesmo que acontece entre Espanha, França e Italia: são países muito próximos geograficamente que, salvo algumas exceções, consomem sobretudo música de seus próprios países devido a barreira idiomática. O forte de Sabina com suas letras, seus textos, é uma grande estatura literária. E se isso não se entende, a maior parte de sua magia passa despercebida”, diz ele.

Flores é autor do blog "Arte en Vena", (http://arte-en-vena.blogspot.com.br/) onde escreve sobre música, arte, literatura e cultura em geral, o que ele avalia ser "antídotos contra a barbárie". Em entrevista, Flores avalia o legado musical e poético de Sabina e as dificuldades em escrever a polêmica biografia.

O que exatamente te levou a escrever “Sabina em carne viva”?
JAVIER MENÉNDEZ FLORES - Há muito tempo tinha a ideia de um livro de conversas com Sabina porque tinha a sensação de que a biografia que escrevi sobre ele, “Perdonen la tristeza”, estava incompleta, que eu devia enriquecê-la com a voz do protagonista. Nesse sentido, poderia dizer que os dois títulos se completam: o primeiro é mais centrado nos dados e pormenores da sua trajetória artística, e o segundo conta com o ponto de vista do próprio Joaquín, que se prestou a falar, com uma coragem pouco frequente, sobre todos os aspectos de sua profissão e, também, de sua vida pessoal. Nenhum assunto importante ficou fora.

Qual foi a parte mais difícil de escrever?
O livro, em seu conjunto, foi um pouco complicado. Como disse, as questões a tratar eram muitas e a feroz sinceridade de Joaquín se tornava muito mais ampla por escrito. Depois de ler o primeiro rascunho, me assustei. Pensei que Sabina censuraria muitas partes, e não foi assim. Achou bom tudo que havia dito, o que é honrável porque não é algo habitual.

Em algum momento você teve medo de não conseguir passar aos leitores aquilo que queria?
Eu tinha muito claro desde o princípio que queria que quem lesse o livro pensasse: “Já conheço o Sabina”. Para isso, preparei um questionário com cerca de cem folhas e, mais que entrevistar, eu interroguei a fundo, tentando colocar em mim a todo momento, a pele do leitor. Queria saber tudo sobre ele, despejar muitas dúvidas e verificar lendas, trazer um retrato mais completo possível tanto do artista quanto do homem. Tirei dele tudo o que pude, enfim, e nunca conseguirei agradecer o suficiente sua vontade de colaborar e sua enorme franqueza.

O que de mais importante você aprendeu com Sabina?
Que as pessoas não devem levar a si mesmas muito a sério. É preciso tirar solenidade da própria existência. Pode-se escrever com aprofundamento e, ao mesmo tempo, escancarar a ironia como uma forma de estar no mundo. Rir de si mesmo é o que existe de mais saudável e, além disso, é algo necessário para ter uma relação aceitável com as pessoas próximas.

O que você acredita ser o mais interessante da vida do cantor?
Sabina nunca pensou que chegaria a se tornar uma estrela da música. Seu ideal de vida era ser professor de literatura na faculdade e escrever romances para uma seleta minoria. Mesmo assim, aconteceu que suas músicas, seu discurso, se conectaram de um modo extraordinário com as pessoas e o êxito o abraçou para não soltar nunca mais. Aconteceu na idade certa, por volta dos trinta anos, e isso fez com não subisse à sua cabeça e soubesse administrar. Acredito que esse seja o grande valor de Joaquín Sabina.

Você gostou mais de escrever “Sabina em carne viva” ou “Perdonen la Tristeza”? São duas obras muito diferentes. Uma é biografia pura e a outra é um livro nascido a partir de muitas horas de conversa. No primeiro tive plena liberdade; era eu sozinho com o texto e a documentação reunida (milhares de recortes da imprensa), enquanto o segundo material sobre o qual teria que trabalhar viria marcado como resultado de numerosas entrevistas.

Você disse em “Sabina em Carne Viva” que “A La Orilla de la Chimenea” é umas de suas músicas favoritas de Sabina. Mas existe apenas uma que você possa dizer “essa é minha fovorita”?
Escolher apenas uma música de um artista importante, seja Sabina ou qualquer outro, é impossível. No caso de Joaquín, falamos de alguém que, sem exagerar, pode ter meia centena de boas músicas. Dependendo do momento e do meu estado de ânimo, eu gosto mais de umas que de outras.

Está escrevendo algo no momento?
Tenho um romance recém terminado que espero publicar logo. Será meu terceiro romance, já que tenho dois publicados (‘Los desolados’, editorial Plaza & Janés, 2005; ‘El adiós de los nuestros’, Ediciones B, 2006). Além disso, estou terminando projetos de não-ficção. Mas nunca falo de livros que ainda estou imerso até que termine tudo e o processo de trabalho está muito avançado.

Você conhece a literatura ou a música brasileira?Não tanto como eu gostaria. Conheço, claro, Jorge Amado e Nélida Piñon, dois autores universais, magníficos, que li na minha época de estudante. Rubem Fonseca me parece um escritor extraordinário. Tem um livro de contos chamado “O Cobrador” que é uma joia, e depois da primeira leitura sigo relendo de vez em quando por simples prazer. Também gosto muito de Clarice Lispector. Foi uma grande contista. E quanto à música, já escutei até a embriagues a Chico Buarque, é uma verdadeira delícia. Também escutei Caetano Veloso, claro. Mas estou por fora do que fazem agora aí, nem em música, nem em literatura e é certo que estou perdendo grandes artistas.

*Publicado originalmente em O Diário do Norte do Paraná

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

“Como era possível que nesse lugar nascessem crianças?”

Entrevista com Paula Carvalho, repórter da revista Bravo!

'Nise é um exemplo para o Brasil e o filme é muito bom', diz diretor Roberto Berliner*